Foto: Renan Mattos (Diário)
Em 30 de outubro, grupo se manifestou contra ataques racistas ocorridos na UFN. Debate gira em torno da representatividade
O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro. Oficializada desde 2003, a data é feriado em, aproximadamente, mil cidades do país, por meio de decretos estaduais e municipais. A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
Em Santa Maria, desde o início do mês, diversas ações têm movimentado a cidade em torno do tema, que tem como objetivo a luta por direitos e pela representatividade dos negros na sociedade.
CLIQUE AQUI E VEJA A PROGRAMAÇÃO EM SANTA MARIA E COMO PARTICIPAR
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), coletivos negros locais estiveram à frente de atividades culturais para enfatizar a data. Debates, intervenções artísticas, seminários e palestras reuniram centenas de pessoas que estão inseridas no assunto.
De acordo com a professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e idealizadora do movimento Ara Dudu, Marta Nunes, a luta por direitos e por representatividade é a principal motivação dos coletivos. Os grupos também visam oferecer apoio emocional e afetivo, além de acolher os integrantes, dando a eles sensação de pertencimento.
- O Ara Dudu foi criado em 2014. O coletivo tem função de acolher, além da comunidade acadêmica negra, mulheres da periferia que não tinham vínculo universitário. Os coletivos negros cumprem, ainda, função político-pedagógica e de empoderamento - diz Marta.
NOVOS HORIZONTES
Doutorando e historiador, João Heitor Silva Macedo tem a questão racial como principal tema de pesquisa. Ele explica que, a partir da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, passou a ser obrigatório o ensino da história e da cultura africana e indígena no currículo escolar do Ensino Fundamental no Brasil. Essa obrigatoriedade possibilitou que os negros conhecessem detalhes da própria origem, já que, antes, o assunto era pouco abordado em sala de aula:
- Com conhecimento, jovens negros conseguem enxergar novas possibilidades de futuro e ascensão. Assim, buscam novos horizontes, chegam à universidade com consciência do papel social que lhes é atribuído e se tornam referência tanto para os mais novos quanto para os mais antigos.
Ainda conforme Macedo, por meio de movimentos coletivos, os negros conseguem maior representatividade na sociedade. Ações afirmativas, como cotas raciais, também dão conta desse sentimento e conferem reconhecimento à população negra.
- À medida que a discussão em torno da Lei 10.639 e das cotas raciais foi levantada, avançamos em vários pontos a respeito do assunto. Mesmo assim, ainda não chegamos ao reconhecimento que gostaríamos - reflete o educador.
REPRESENTATIVIDADE
Conforme a escritora e doutora em educação Maria Rita Py Dutra, a representatividade é efetivada quando o negro depara-se com outros negros nos lugares que chega, como em departamentos públicos, lojas, universidades, entre outros. Ela defende que negros ocupem cada vez mais bancos de universidades e cargos de gerência nos espaços em que atuam.
Debates, palestras, filmes e apresentações marcam o Mês da Consciência Negra
- O racismo é um mecanismo que a classe social dominante utiliza para manter privilégios. Entrar em uma loja e não perceber nenhum negro no atendimento é constatar que não temos visibilidade - afirma a doutora.
A candidata a deputada estadual negra mais votada no Rio Grande do Sul, na última eleição, Alice Carvalho, diz que participar das eleições foi um processo difícil:
- A política não é lugar comum às pessoas negras. O racismo institucional é grande. Mesmo não sendo eleita, tivemos um saldo positivo. Outras meninas negras sentiram-se inspiradas pela minha candidatura.
Alice lembra que ficou com medo de sofrer machismo e racismo ao participar da eleição. Porém, graças à equipe que a acompanhou, o processo foi tranquilo. Para ela, o dia 20 de novembro deve ser usado para exaltação da cultura e das religiões africanas.
- Nossa história é rica e ajudou a construir a história do Brasil. É de suma importância mostrarmos essa beleza. Também pedimos que a branquitude reflita a respeito do papel dela nos movimentos antirracistas, nas formações, discursos e práticas que precisam ser mudados. É importante o envolvimento de todos nas lutas contra o racismo, pois é um fardo muito grande que os negros carregam - desabafa Alice.
NÃO AO PRECONCEITO
Recentemente, frases de cunho racista foram encontradas no quadro da sala 606, no prédio 14 da Universidade Franciscana (UFN), em Santa Maria. Outros cinco casos foram registrados na UFSM, sendo que o primeiro deles foi arquivado pelo Ministério Público Federal, ainda em julho deste ano. Os outros seguem sendo investigados por Polícia Federal e Polícia Civil.
Novo caso de injúria racial na UFSM é denunciado por universitários
RELEMBRE OS ATAQUES RACISTAS NA UFSM E NA UFN
- 17 agosto de 2017 - Suástica foi desenhada na parede do Diretório Livre do Direito (DLD), na antiga Reitoria, no Centro
- Setembro de 2017 - Sala do DLD foi outra vez alvo de pichação de cunho racista com os nomes de dois estudantes negros
- 21 de novembro de 2017 - O alvo foi o Diretório Acadêmico das Ciências Sociais. Foram escritas frases racistas e desenhadas duas suásticas com os nomes de duas alunas negras e um aluno negro
- 10 de outubro de 2018 - Dois jovens negros, de 19 e 23 anos, foram ameaçados por um homem que recolhia lixo, que os chamou de "negros sujos" e "macacos"
- 26 de outubro de 2018 - Frase "esses pretos fedidos vão morrer" foi escrita na tampa do vaso sanitário de um banheiro do Colégio Politécnico. Junto, havia uma suástica e o número "B17", do presidente eleito Jair Bolsonaro
- 29 de outubro - A frase "Dá-lhe Capitão! Preto no tronco" foi escrita no quadro de uma sala dos cursos de comunicação da UFN
- 30 de outubro - "Chibata neles, capitão" foi escrita a caneta em cartazes antirracistas da UFN
Quem são os entrevistados que participam desta reportagem
Formado em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), coordenou a 4ª Coordenadoria Regional da Educação de Caxias do Sul, foi diretor de uma escola indígena e assessor pedagógico. Em Santa Maria, atuou em inúmeros colégios municipais e estaduais e trabalha na militância negra da cidade. É o atual diretor do Museu Treze de Maio |
Doutora em Educação, é pedagoga e supervisora escolar pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Maria Rita é ativista do movimento negro e foi uma das responsáveis por implementar a política de cotas na UFSM |
Formada em Química Industrial pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Pós-doutora pela UFSM, atualmente faz pós-graduação pela Universidade da Califórnia. Aos 46 anos, Marta é ativista e defensora das políticas públicas para negros e idealizou o coletivo Ara Dudu |
Alice Carvalho Acadêmica de Psicologia na Universidade Franciscana (UFN), tem 22 anos, é ativista política e integra o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), em Santa Maria. Nas eleições de 2018, concorreu a uma vaga para deputada estadual, sendo a negra mais votada neste pleito |